Hoje, sabemos que o evangelho segundo Lucas foi escrito na última década do primeiro século. Nessa época, a guerra de luta pela liberdade por parte da nação judaica diante da ocupação romana já havia acontecido fazia mais de 30 anos (66-70 d.C.): "Quando ouvirdes falar de guerras e subversões, não vos atemorizeis, pois é preciso que primeiro aconteça isso. Mas não será logo o fim. Levantar-se-á nação contra nação, reino contra reino" (21,9-10).
Também o templo já se encontrava em ruínas, uma vez que fora destruído sob o comando do general romano Tito em 70 d.C.: "Dias virão em que não ficará pedra sobre pedra que não seja demolida" (21,6).
Igualmente, já era uma realidade a perseguição a Jesus e às lideranças das comunidades por parte dos romanos, através de seus poderes dependentes na Palestina ou diretamente pelos imperadores Nero em Roma (54-68 d.C.) e Domiciano em todo o império (81-96 d.C.).
Da mesma forma, autoridades de sinagogas perseguiam e expulsavam judeus que haviam aderido a Jesus: "Hão de vos prender, de vos perseguir, de vos entregar às sinagogas e às prisões, de vos conduzir a reis e governadores por causa do meu nome" (21,12).
Além disso, o evangelista recorda a crise que a boa-nova de Jesus gerou nas famílias especialmente judaicas. As pessoas que aderiam às comunidades eram "traídas pelo próprio pai e pela mãe, irmãos, parentes e amigos", gerando mortes e ódio (21,16-17).
A isso ainda se pode acrescentar que, no início dos anos 60, houve dois fortes terremotos no império romano. Um foi em 61 d.C. em Laodiceia, no oeste da atual Turquia. O outro foi em 62 d.C. na região de Pompeia, na Itália. O texto de Lucas também se refere a esses acontecimentos trágicos: "E haverá grandes terremotos" (21,10).
Todos esses fatos servem de pano de fundo para nossa narrativa. Eles são relidos fundamentalmente em duas perspectivas. Uma é a partir da experiência com Jesus de Nazaré, inserindo em sua profecia o anúncio desses acontecimentos. Dessa forma, os autores do evangelho retroagem esses fatos até a época de Jesus. A outra é a não realização da expectativa da parousia (presença, chegada) iminente de Jesus, como se esperava. Esta narrativa é uma advertência às comunidades para não se deixarem enganar, pois muitos viriam anunciando a proximidade da chegada de Jesus ou, até mesmo, se apresentando como a presença dele (21,8-9).
Jesus denuncia o sistema injusto do templo e anuncia o seu fim (21,5-6)
Nosso texto para reflexão na liturgia deste final de semana situa Jesus em Jerusalém nos dias que precedem a sua violenta morte imposta a ele por ser fiel ao Pai no anúncio de uma boa-nova aos pobres (4,18-19). E, no templo, Jesus presencia o gesto mais divino que há sobre a face da terra, isto é, a partilha protagonizada pela viúva pobre. Sua atitude é a única coisa boa que Jesus encontrou no templo de Jerusalém. E se encanta com esse gesto de uma mulher tão vulnerável e empobrecida (21,1-4).
Outro é o motivo de admiração dos discípulos. Maravilhavam-se pelas valorosas ofertas para pagar promessas e pelas impressionantes pedras com que estava construído o templo (21,5-6). Para a surpresa deles, Jesus denuncia a injustiça desse centro religioso, político e econômico da Judeia. É o que ele deixou bem claro ao, "entrando no templo, expulsar os vendedores, dizendo-lhes: está escrito: minha casa será uma casa de oração. Vós, porém, fizestes dela um covil de ladrões" (19,45-46; cf. Isaías 56,7; Jeremias 7,11). Ao mesmo tempo, Jesus anuncia o fim dessa instituição, pois "dias virão em que não ficará pedra sobre pedra que não seja demolida" (21,6).
Nesse sentido, ao inserir-se na linha profética, Jesus se antecipa a Marx na crítica à religião quando esta serve como fonte de injustiça, de alienação e de ópio para povo. O papel do templo é promover vida, é ser lugar de encontro com Deus como casa do Pai (2,49). Jesus mesmo é esse lugar em que o divino se humaniza e o humano é divinizado. Para as comunidades cristãs, partindo do fato histórico da destruição do templo, referem-se ao Antigo Israel como quem abandonou a Aliança, dando lugar à boa-nova do reinado de Deus vivido pelas comunidades, e que são o Novo Israel. Agora, a referência fundamental não é mais o templo, mas a pessoa de Jesus.
Discernir, ter coragem, testemunhar com sabedoria e perseverar (21,7-19)
Depois que Jesus apresenta seu projeto em relação ao templo, os discípulos perguntam a respeito da época em que isso deveria acontecer e do sinal que viria antes. Mais do que responder às perguntas, Jesus convida ao discernimento, ao testemunho e à perseverança.
Diante da insegurança dos conflitos acima lembrados, o evangelho quer animar e confortar, orientar e advertir as comunidades, dizendo que a destruição de Jerusalém e do templo ainda não é o fim deste mundo injusto (21,9).
Desse modo, ainda é preciso discernimento: "Atenção para não serdes enganados" (21,8). E mais, é preciso ter coragem, superar o medo: "Não vos atemorizeis!" (21,9). Além das guerras (21,9-10), o evangelista lembra também, em linguagem apocalíptica, os abalos cósmicos. Embora os terremotos, as pestes e a fome fossem realidades históricas, aqui também são citados junto com "fenômenos pavorosos e grandes sinais vindos do céu" (21,11). Essa linguagem apocalíptica é comum para se referir a uma realidade nova que está por vir, totalmente diferente da violência das guerras e da ocupação das colônias pelo império colonialista de Roma. E essa nova realidade já está sendo gestada nas relações de justiça vividas nas comunidades.
Em meio às perseguições, é preciso continuar dando testemunho e reafirmando a fé, mesmo que isso leve ao martírio. Em grego, a palavra que traduzimos por testemunho é martiría (21,13). Nesse testemunho, as comunidades não estão sós, pois o Espírito de Jesus ressuscitado está com elas, de modo que possam resistir com sabedoria e eloquência (21,14-15).
Discípulas e discípulos de Jesus não devem deixar-se enganar, mas perseverar, pois "é pela perseverança que mantereis vossas vidas" (21,19). As comunidades esperam, confiam e perseveram com fé na vitória de Deus. Perseverar não é aguardar de braços cruzados, mas engajar-se na superação de todas as forças do mal, resistindo com sabedoria e já vivendo hoje as relações que esperamos para todo o mundo amanhã.
Senhor, ajuda-nos no discernimento dos teus sinais em nossos tempos, para não sermos enganados por tantas mentiras e ilusões. Dá-nos coragem, ó Deus, para testemunharmos teu amor diante de tanta violência, muitas vezes legitimada em teu nome. Concede-nos sabedoria para seguirmos com perseverança no cuidado da vida. Amém!
Da mesma forma, autoridades de sinagogas perseguiam e expulsavam judeus que haviam aderido a Jesus: "Hão de vos prender, de vos perseguir, de vos entregar às sinagogas e às prisões, de vos conduzir a reis e governadores por causa do meu nome" (21,12).
Além disso, o evangelista recorda a crise que a boa-nova de Jesus gerou nas famílias especialmente judaicas. As pessoas que aderiam às comunidades eram "traídas pelo próprio pai e pela mãe, irmãos, parentes e amigos", gerando mortes e ódio (21,16-17).
A isso ainda se pode acrescentar que, no início dos anos 60, houve dois fortes terremotos no império romano. Um foi em 61 d.C. em Laodiceia, no oeste da atual Turquia. O outro foi em 62 d.C. na região de Pompeia, na Itália. O texto de Lucas também se refere a esses acontecimentos trágicos: "E haverá grandes terremotos" (21,10).
Todos esses fatos servem de pano de fundo para nossa narrativa. Eles são relidos fundamentalmente em duas perspectivas. Uma é a partir da experiência com Jesus de Nazaré, inserindo em sua profecia o anúncio desses acontecimentos. Dessa forma, os autores do evangelho retroagem esses fatos até a época de Jesus. A outra é a não realização da expectativa da parousia (presença, chegada) iminente de Jesus, como se esperava. Esta narrativa é uma advertência às comunidades para não se deixarem enganar, pois muitos viriam anunciando a proximidade da chegada de Jesus ou, até mesmo, se apresentando como a presença dele (21,8-9).
Jesus denuncia o sistema injusto do templo e anuncia o seu fim (21,5-6)
Nosso texto para reflexão na liturgia deste final de semana situa Jesus em Jerusalém nos dias que precedem a sua violenta morte imposta a ele por ser fiel ao Pai no anúncio de uma boa-nova aos pobres (4,18-19). E, no templo, Jesus presencia o gesto mais divino que há sobre a face da terra, isto é, a partilha protagonizada pela viúva pobre. Sua atitude é a única coisa boa que Jesus encontrou no templo de Jerusalém. E se encanta com esse gesto de uma mulher tão vulnerável e empobrecida (21,1-4).
Outro é o motivo de admiração dos discípulos. Maravilhavam-se pelas valorosas ofertas para pagar promessas e pelas impressionantes pedras com que estava construído o templo (21,5-6). Para a surpresa deles, Jesus denuncia a injustiça desse centro religioso, político e econômico da Judeia. É o que ele deixou bem claro ao, "entrando no templo, expulsar os vendedores, dizendo-lhes: está escrito: minha casa será uma casa de oração. Vós, porém, fizestes dela um covil de ladrões" (19,45-46; cf. Isaías 56,7; Jeremias 7,11). Ao mesmo tempo, Jesus anuncia o fim dessa instituição, pois "dias virão em que não ficará pedra sobre pedra que não seja demolida" (21,6).
Nesse sentido, ao inserir-se na linha profética, Jesus se antecipa a Marx na crítica à religião quando esta serve como fonte de injustiça, de alienação e de ópio para povo. O papel do templo é promover vida, é ser lugar de encontro com Deus como casa do Pai (2,49). Jesus mesmo é esse lugar em que o divino se humaniza e o humano é divinizado. Para as comunidades cristãs, partindo do fato histórico da destruição do templo, referem-se ao Antigo Israel como quem abandonou a Aliança, dando lugar à boa-nova do reinado de Deus vivido pelas comunidades, e que são o Novo Israel. Agora, a referência fundamental não é mais o templo, mas a pessoa de Jesus.
Discernir, ter coragem, testemunhar com sabedoria e perseverar (21,7-19)
Depois que Jesus apresenta seu projeto em relação ao templo, os discípulos perguntam a respeito da época em que isso deveria acontecer e do sinal que viria antes. Mais do que responder às perguntas, Jesus convida ao discernimento, ao testemunho e à perseverança.
Diante da insegurança dos conflitos acima lembrados, o evangelho quer animar e confortar, orientar e advertir as comunidades, dizendo que a destruição de Jerusalém e do templo ainda não é o fim deste mundo injusto (21,9).
Desse modo, ainda é preciso discernimento: "Atenção para não serdes enganados" (21,8). E mais, é preciso ter coragem, superar o medo: "Não vos atemorizeis!" (21,9). Além das guerras (21,9-10), o evangelista lembra também, em linguagem apocalíptica, os abalos cósmicos. Embora os terremotos, as pestes e a fome fossem realidades históricas, aqui também são citados junto com "fenômenos pavorosos e grandes sinais vindos do céu" (21,11). Essa linguagem apocalíptica é comum para se referir a uma realidade nova que está por vir, totalmente diferente da violência das guerras e da ocupação das colônias pelo império colonialista de Roma. E essa nova realidade já está sendo gestada nas relações de justiça vividas nas comunidades.
Em meio às perseguições, é preciso continuar dando testemunho e reafirmando a fé, mesmo que isso leve ao martírio. Em grego, a palavra que traduzimos por testemunho é martiría (21,13). Nesse testemunho, as comunidades não estão sós, pois o Espírito de Jesus ressuscitado está com elas, de modo que possam resistir com sabedoria e eloquência (21,14-15).
Discípulas e discípulos de Jesus não devem deixar-se enganar, mas perseverar, pois "é pela perseverança que mantereis vossas vidas" (21,19). As comunidades esperam, confiam e perseveram com fé na vitória de Deus. Perseverar não é aguardar de braços cruzados, mas engajar-se na superação de todas as forças do mal, resistindo com sabedoria e já vivendo hoje as relações que esperamos para todo o mundo amanhã.
Senhor, ajuda-nos no discernimento dos teus sinais em nossos tempos, para não sermos enganados por tantas mentiras e ilusões. Dá-nos coragem, ó Deus, para testemunharmos teu amor diante de tanta violência, muitas vezes legitimada em teu nome. Concede-nos sabedoria para seguirmos com perseverança no cuidado da vida. Amém!
Ildo Bohn Gass é biblista do CEBI. É autor de "Satanás e os demônios na Bíblia".
Informações retiradas do site do CEBI